Maristela Scheuer Deves
Em vez de responder à minha inocente pergunta, ela ficou olhando demoradamente as fotos, com uma expressão esquisita. Não consegui identificar exatamente o que via no seu rosto, mas parecia ser uma mistura de medo e curiosidade. Depois de alguns minutos em silêncio, quis saber onde eu encontrara aquelas imagens. Contei-lhe do baú, e ela pediu que devolvesse as fotos ao seu lugar e não mais pensasse no assunto.
Insisti, mas sem resultado. Como eu não era de desistir facilmente, procurei desta vez o meu avô. Sua reação não foi muito melhor ao olhar o que eu tinha em mãos, mas pelo menos ele deu-me uma explicação: aquelas eram sua avó, ou seja, minha tataravó, e suas irmãs. Haviam se casado de vestidos e véus pretos porque estavam de luto, o pai delas havia morrido pouco tempo antes.
Fiquei a matutar comigo mesma por que é que elas não haviam esperado um pouco mais para casar-se, pois então poderiam usar o branco tradicional. Também achei estranho todas elas terem contraído núpcias na mesma época, mas vovô disse que fosse brincar e o deixasse fazer suas coisas.
Por alguns dias ainda enchi meu pai e minha mãe de perguntas, mas como as respostas variavam de um “eu é que sei?” a “vai ver, era moda na época”, acabei desistindo e esquecendo o assunto. Numa ocasião seguinte em que fui fuxicar nas coisas guardadas no sótão, não encontrei mais as fotografias, até mesmo o baú havia sumido de lá. Achei estranho, mas não dei muita importância ao assunto.
Nas últimas semanas, porém, a lembrança daquelas noivas vestidas de preto vem me atormentando. Sonho com elas todas as noites, e penso nelas cada minuto do meu dia. Não sou mais uma criança: estou com 24 anos e vou casar-me em poucos dias. Até já comprei meu vestido, lindo, resplandecente, branco como a neve. Minha mãe chorou quando o viu, e a princípio creditei seu choro à emoção de que sua única filha iria se casar. Mas agora sei que não era isso. E sei, também, o porquê daqueles vestidos negros que há tanto tempo despertaram a minha curiosidade...
Descobri por acaso, enquanto procurava velhas fotos minhas para o painel de momentos marcantes de minha vida, que ficará em exposição na entrada do salão de festas. Embaixo das dezenas de álbuns com registros feitos desde a minha infância, encontrei um envelope amarelado pelo tempo. Curiosa, abri-o. Lá, uma única foto, de um casal cujo rosto risonho eu reconheci: meus pais, muito mais jovens do que agora, no dia do seu casamento. Nesse momento, dei-me em conta que nunca antes havia visto imagens daquela data, e compreendi também o motivo: o vestido que minha mãe envergava, de seda e com lindos bordados, era negro.
Minha mãe surpreendeu-me com a foto nas mãos, e, perante meu olhar indagador, pôs-se novamente a derramar lágrimas. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, abracei-a e confortei-a, como se a mãe fosse eu. Não pedi explicações quando ela se acalmou, mas ela as deu mesmo assim. Sabia que era hora, e que não podia adiar mais.
– Quando eu me casei com seu pai – começou ela –, ninguém me disse nada. Sofri muito com o que aconteceu, e sei que você também vai sofrer, minha filha, mas pelo menos você vai estar preparada.
Antes de prosseguir, ela levantou-se e foi até uma gaveta trancada. Tirou uma chavezinha de uma corrente pendurada no pescoço e a abriu. Lá de dentro, pegou uma caixa de madeira, que colocou sobre a mesa, chamando-me para ver o conteúdo. Ali estavam as antigas fotos que eu vira ainda criança, num baú no sótão dos meus avós. E também outras, muitas outras, todas mostrando noivas vestidas de preto. Lá estavam minha avó, todas as minhas tias por parte de pai... Aturdida, fiquei passando uma a uma, sem saber o que dizer.
– Sim, minha pequena. Todas as mulheres da nossa família, pelo lado do seu pai, carregam essa maldição – disse. Vendo que eu abria a boca para perguntar algo, apressou-se em prosseguir –
Nós não escolhemos nos casar de preto. Na verdade, nós não nos casamos de preto. Meu vestido e meu véu eram tão alvos quanto os seus. Mas na hora da cerimônia, quando eu coloquei a aliança no dedo, ele começou a mudar...
Ela trocara de roupa no meio da festa, contou, com a desculpa de usar algo mais confortável. A verdade era que, para seu desespero, ele estava ficando a cada minuto mais escuro. Pensou que as primeiras fotos estariam boas, pelo menos, mas, poucos dias depois de as receber do fotógrafo, nelas também o vestido passara a ficar preto.
– Queimei quase todas elas, junto com o vestido que eu tinha gostado tanto. Guardei apenas essa. Foi só depois de tudo ter acontecido que minha sogra, sua avó, contou-me que isso acontecia há quatro gerações. Desde que uma tia-avó do seu avô foi rejeitada pelo restante da família por se casar grávida, sendo obrigada a casar de véu negro, ela amaldiçoou a todos, dizendo que, dali por diante, nunca mais uma mulher da família se casaria de branco. E, até hoje, isso vem se cumprindo...
Tenho menos de uma semana até o dia do meu casamento. Tento afastar os meus pensamentos mórbidos, dizer a mim mesma que isso é fantasia, que deve haver alguma explicação lógica. Talvez tenha sido mesmo luto, talvez... Mas minha mãe não mentiria para mim. Não faria com que eu me angustiasse sem necessidade.
Não contei a meu noivo, para ele não pensar que estou enlouquecendo. Mas hoje pela manhã, acariciando o esvoaçante tecido de meu lindo vestido de sonho, vi uma pequena mancha mais escura em um canto, sob um babado. Outra apareceu na pontinha do véu. Pensei em cancelar o serviço do fotógrafo, para garantir, mas achei melhor encomendar com urgência um vestido de reserva, cor de champanhe, para usar assim que sair da igreja...
Nenhum comentário:
Postar um comentário