domingo, 29 de março de 2009

O Admirador – Final: O Enterro

Maristela Scheuer Deves

Chegou ao cemitério às 17h em ponto, e estranhou que não houvesse ninguém lá para o seu enterro. Mesmo assim, caminhou entre os túmulos – que mais pareciam um labirinto – tentando decidir o que fazer. Que local teria ele escolhido para sua cova, perguntou-se, relanceando um olhar ao redor e ainda estranhando a ausência de parentes e amigos. "Apareça", chamou em voz alta, "eu sei que você está aí".

Com um sorriso maquiavélico e um olhar zombeteiro, ele finalmente surgiu no corredor entre as sepulturas, alguns metros adiante. "Bem-vinda, que bom que você veio ao nosso encontro", saudou, num arremedo de cumprimento. Sem responder, ela ficou a olhá-lo, observando cada detalhe. Assim, sem o uniforme, até que ele não era feio, forçou-se a admitir, apesar da crescente aversão. "Então, era você mesmo", disse simplesmente, sem nenhuma emoção.

Ele sorriu novamente. "Demorou a descobrir, heim? Mas, também, quem sou eu para você reparar em mim – seja como homem ou como suspeito? Simplesmente o novo porteiro, aquele que lhe abria a porta do prédio, entregava a correspondência, às vezes ajudava com as compras... Achei que as coisas iam mudar com as flores, mas você continuou a sair com aquele seu namoradinho sem sal! E eu tendo que avisar-lhe toda vez que ele chegava, tendo de ser educado com ele..."

Ela tentou falar, replicar sobre o absurdo disso tudo, mas ele ergueu a mão, interrompendo-a. "Eu jurei que você seria minha, e que, se não fosse, não seria de mais ninguém." Desnorteada, sentindo-se impotente perante a loucura do que ele dizia, sentiu toda a raiva e a coragem anterior abandonando-a. Enquanto lágrimas começavam a vir-lhe aos olhos, deu as costas ao seu tétrico admirador e começou a se afastar em direção à saída do cemitério. Queria ir embora, e só. E foi seu erro.

Mal sentiu quando algo pesado caiu com força sobre sua cabeça, enquanto ouvia-o dizer: "Você acha que eu seria tolo de marcar com você no horário exato? Alterei a hora no jornal que deixei sob a sua porta, os outros só chegam para o enterro daqui a uma meia hora..." Depois, não ouviu nem sentiu mais nada. Se não estivesse desacordada e sedada dentro do caixão que desceu à sepultura às 18h, veria o quanto era querida: enquanto o padre rezava e dizia palavras de consolo, amigos, parentes, colegas de trabalho, namorado, ex-namorado, vizinhos e até mesmo o porteiro do prédio choravam a sua morte.

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