terça-feira, 24 de março de 2009

O Admirador - Parte 2: Pesadelo?

(Maristela Scheuer Deves)

A noite fora horrível, com pesadelos nos quais poemas de amor se transformavam em tétricas canções de despedida junto a túmulos recém-cobertos. E ela as ouvia de dentro do túmulo, debaixo da terra. Acordou quando tentava gritar que estava viva, e a primeira coisa que percebeu foi o insistente odor das flores – o que só contribuiu para aumentar a sensação de irrealidade. "Estou ficando louca", repetiu para si mesma. Forçou-se a sair da cama e preparou um café, embora não tivesse apetite. Decididamente, não iria trabalhar nesse dia. Há quase uma semana não o fazia, apavorada demais desde que as coroas fúnebres passaram a persegui-la também na empresa.

Terminava de comer seus ovos mexidos quando percebeu o jornal do dia enfiado sob a porta. "Estranho", pensou, lembrando que normalmente precisava buscá-lo na caixa de correspondência do andar térreo. Querendo distrair-se, pegou o jornal e começou a folheá-lo, detendo-se aqui e ali para ler algo que parecia mais interessante. Sem conseguir concentrar-se na leitura, já ia fechar a publicação quando seus olhos bateram num anúncio, colorido, ao pé de uma página: a comunicação de seu próprio falecimento.

O jornal só não caiu de suas mãos porque ela ficou congelada. Olhando para para sua foto (tirada na noite da formatura, recordou), questionou-se se não estava, ainda, sonhando. Mas o papel áspero em suas mãos não deixava dúvidas: ele estava ali, e, em destaque, o anúncio fúnebre em sua homenagem, assinado pelos "amigos que nunca a esquecerão". Rindo histericamente, pensou nos telefones – se eles não estivessem desligados, a essa altura deveriam estar tocando sem parar, em busca da confirmação da notícia.

A mãe! A sua mãe, meu Deus!, deveria estar enlouquecida a sua procura. Correu ao telefone e recolocou-o no gancho, na intenção de discar para a casa dos pais. Antes que o fizesse, no entanto, ele tocou. Do outro lado, em vez de algum conhecido aflito por saber se estava bem, uma voz rouca, desconhecida e algo risonha: "O enterro será às 17h." O fone foi parar no chão, com um estrondo, enquanto a cabeça começava a rodar. A página do jornal, aberta sobre a mesa, confirmava. Seria no Cemitério Municipal.

Deixando-se cair ela mesma numa cadeira, ficou mais de meia hora sem conseguir pensar em nada. Por fim, forçou-se a sair daquela letargia e olhou no relógio: 9h. Faltavam oito horas, então, para o seu próprio sepultamento. Deveria ir ao cemitério? E o que fazer até lá?
(continua amanhã...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário